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Pioneirismo estudantil pautou a implementação da Unisc e transformou o ensino superior regional

A Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) celebra 32 anos de existência, consolidada como um pilar da educação superior no Rio Grande do Sul e no Brasil. No entanto, sua trajetória é marcada por um período fundamental de transformações, gestado anos antes de sua oficialização como Universidade. O professor e empresário Ubiratan Trindade, líder e fundador do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Unisc – à época ainda Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul (FISC) –, relembra o papel do movimento estudantil na construção da instituição que conhecemos hoje.

A criação da Universidade era um sonho coletivo, mas sua materialização exigiu um processo de reestruturação profunda, iniciado entre 1985 e 1987. "Pode parecer um paradoxo, mas foi uma crise de gestão que fez com que houvesse um movimento amplo para reestruturar a FISC", conta Trindade. Esse movimento, que começou com os estudantes, rapidamente ganhou o apoio de docentes, funcionários e da sociedade civil organizada, culminando na modernização da gestão e, posteriormente, na implementação da Universidade.

O período era efervescente, impulsionado pelo cenário político e econômico do Brasil, que vivia o fim do regime militar e a eclosão do movimento pelas "Diretas Já". "Existia uma espécie de espírito estudantil", descreve Trindade, que destaca a intensa participação dos diretórios acadêmicos na política local e nacional. A participação em comícios históricos, embalados por canções como "Coração de Estudante" e "Caminhando e Cantando", demonstrava o engajamento e a busca por mudanças.

A principal motivação para a liderança estudantil, segundo Trindade, era a modernização da FISC e a conquista de eleições diretas para todos os cargos diretivos da instituição. A união dos diretórios acadêmicos para a criação do DCE foi o primeiro passo, com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino, garantir salários justos para professores e funcionários, e pavimentar o caminho para a futura universidade.

Apesar das perseguições e dificuldades enfrentadas por alguns membros do DCE, a resistência foi superada pela convicção e pelo apoio da comunidade. A criação do DCE e a implementação de eleições diretas para todos os cargos da FISC foram as primeiras e mais significativas conquistas. "Esses dois eventos foram marcantes para a época, transformando Santa Cruz do Sul em um centro de inovação para o Ensino Superior", destaca Trindade, relembrando o interesse de jornais de todo o país pela "revolução acadêmica" que acontecia na cidade.

Além da modernização da governança e da melhoria do ensino, o movimento estudantil focou em demandas essenciais como o subsídio à passagem escolar e a redução das mensalidades. A transparência na gestão, com a participação de alunos, professores e funcionários nas instâncias eletivas, permitiu que decisões difíceis, como reajustes de mensalidade, fossem justificadas e compreendidas pela comunidade acadêmica. "Foi um processo doloroso, mas com um aprendizado para toda a minha vida. Para construir algo novo você precisa enfrentar resistências", reflete Trindade.

A liderança estudantil foi fundamental para moldar a identidade da Unisc, injetando um "espírito universitário" que contagiou a todos. "Houve uma espécie de catarse coletiva. Todos queriam fazer parte daquele momento histórico", afirma Trindade, que recorda assembleias com mais de mil estudantes no campus. Para Trindade, a principal contribuição de seu período de liderança foi "colaborar com a construção de uma Universidade democrática, envolvendo a participação e representação de estudantes, professores e funcionários em todas as instâncias". Um passo ousado, mas fundamental para a governança da Instituição e para o legado da Unisc.

Ao olhar para os 32 anos da Unisc, Ubiratan Trindade reafirma o orgulho do que foi construído e destaca o maior legado da Universidade: "Colocou Santa Cruz do Sul no mapa da Educação Superior do Brasil e, porque não, da América do Sul." Sua mensagem final para a comunidade acadêmica é um convite à reflexão: "A Academia ainda é um lugar especial, que faz a diferença para melhor na vida das pessoas." Em tempos de desinformação, ele enfatiza a importância de combater o obscurantismo com mais conhecimento, reforçando o papel civilizatório das universidades.

Ubiratan Divulgação

Ubiratan Trindade reafirma o orgulho do que foi construído e destaca o maior legado da Universidade: "Colocou Santa Cruz do Sul no mapa da Educação Superior do Brasil e, porque não, da América do Sul." 

Entrevista com Ubiratan Trindade -  líder estudantil e fundador do DCE

Quais eram as maiores expectativas e desafios para os estudantes nos primeiros anos da Universidade?

É preciso dizer que a criação de uma Universidade era o sonho de toda a Comunidade Acadêmica daquela época. E este grande sonho foi realizado em 1993. Mas etapas anteriores foram fundamentais para a concretização do projeto da Universidade. Penso que a Unisc foi gestada entre 1985 e 1987 quando ainda era conhecida como FISC. Esses foram os anos que marcaram o início de uma trajetória de profundas mudanças na instituição. Pode parecer um paradoxo, mas foi uma crise de gestão que fez com que houvesse um movimento amplo para reestruturar a FISC. Um movimento que começou com os estudantes, teve apoio de parte do corpo docente e funcionários. Sem mesmo perceber, nosso movimento foi contagiando uma boa parte da sociedade civil organizada de Santa Cruz e do Vale do Rio Pardo. Quando nos demos conta, tínhamos convencido autoridades políticas, religiosas e empresariais que ficaram do nosso lado. Ficou evidente que todos queriam a modernização da gestão da FISC. Apesar de algumas perseguições pontuais que trouxeram prejuízos pessoais e profissionais à alguns membros do DCE, conseguimos realizar nosso sonho. Felizmente, o tempo se encarregou de mostrar quem estava no caminho certo. Acredito que esse fato histórico foi decisivo para a modernização da FISC e para a futura implementação da Universidade.

Como era o ambiente acadêmico e estudantil naquela época, comparado ao que imaginava para uma Instituição recém criada?

Indescritível! Existia uma espécie de espírito estudantil. O Brasil vivia uma crise profunda em suas instituições, tanto política como economicamente. Na política, vivíamos o fim do regime militar e a grande parte da sociedade brasileira clamava por eleições diretas. Na economia, o Brasil ia muito mal com uma inflação estratosférica, desemprego em alta, salários defasados e uma dívida externa impagável. Existia um anseio por mudanças. Os diretórios acadêmicos, assim como os estudantes secundaristas, tinham grande representatividade na sociedade e participavam ativamente da política local e nacional.  O movimento das “Diretas Já” foi assumido pelos estudantes brasileiros que contribuíram para lotar os comícios em todas as capitais brasileiras (Coração de Estudante, de Milton Nascimento e Caminhando e Cantando, de Geraldo Vandré eram nossos hinos na época).  Lembro que participamos do grande comício das diretas em Porto Alegre. Éramos movidos por impulsos e emoções arquetípicas de maio de 68, um período de intensa agitação estudantil que desafiou governos e influenciou a política ao redor do mundo. Foi um tempo maravilhoso, pena que essa energia se esgotou, não existe mais, ao menos, por enquanto. As relações eram físicas, face to face, diferente de hoje onde tudo é virtual. Como dirigente estudantil, você tinha que conversar com as pessoas, fazer contato diário com as lideranças estudantis. Nos intervalos das aulas os corredores lotavam de estudantes, todos ávidos por alguma informação nova. Hoje, tudo é like ou deslike, o que torna as relações extremamente artificiais. O universo digital trouxe, consigo, o isolamento físico das pessoas e uma pandemia de solidão mascarada por mensagens instantâneas. Fica complicado fazer a verdadeira política nesse modelo de sociedade.

Qual foi a principal motivação para se candidatar e assumir a liderança estudantil em um período tão inicial da Universidade?

Modernizar a FISC e conquistar as eleições diretas para todos os cargos diretivos da Instituição. Aquele era um momento de transição de uma Faculdade para um modelo de Universidade. O primeiro passo foi unir os diretórios acadêmicos o que originou a criação do DCE. A fundação do Diretório Central dos Estudantes foi o primeiro passo para as conquistas seguintes. Também estava no nosso radar a melhoria da qualidade do ensino, contratação de novos professores, garantia de melhores salários e pagamento em dia.

Quais foram as primeiras grandes conquistas do movimento estudantil sob sua liderança?

Primeiro, a criação do DCE. Todos tinham consciência de que para se candidatar junto ao MEC para ser uma Universidade, seria preciso uma reformulação na estrutura da governança estudantil e da própria Instituição.  Segundo, as eleições diretas para todos os cargos da FISC, processo esse que conduziu ao cargo de diretor geral o professor Wilson Kniphoff da Cruz juntamente com o seu vice, o professor Luiz Augusto Costa a Campis. Esses dois eventos foram marcantes para a época, transformando Santa Cruz do Sul em um centro de inovação para o Ensino Superior. Todos queriam saber o que estava acontecendo aqui. Jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre fizeram reportagens sobre uma revolução acadêmica transcorrida em Santa Cruz do Sul. Lembro que a questão central era sobre eleições diretas para todos os cargos. Como naquele tempo somente as universidades públicas realizavam eleições para o preenchimento de cargos, eles não conseguiam entender como uma Faculdade particular teria feito tal façanha. Essa conquista conferiu credibilidade para a Instituição. Foi o primeiro passo para a criação da Universidade.

Quais eram as principais demandas dos estudantes que você representava?

Além de modernizar a governança da FISC e melhorar a qualidade do ensino, tínhamos algumas demandas muito importantes. A principal era o subsídio à passagem escolar. Como muitos alunos vinham de outros municípios, tivemos que visitar os prefeitos de várias cidades para convencê-los da importância de tal pleito. Lembro que a maioria dos prefeitos foram sensíveis ao nosso pedido. Outra demanda muito exigida pelos estudantes era diminuir a mensalidade dos alunos. Sobre esse tema criou-se um paradoxo à época. Na primeira eleição para diretor geral apoiamos o professor Wilson que acabou vencendo as eleições. No primeiro ano da nova gestão foi apresentado um reajuste das mensalidades. Como a gestão era transparente, pois alunos, professores e funcionários faziam parte das instâncias eletivas, tínhamos acesso ao orçamento da Universidade. Em uma reunião do DCE, foi decidido pelo apoio ao reajuste com a promessa de melhoria do ensino, qualificação e contratação de novos professores, além de reposição salarial para professores e funcionários. Resolvemos passar em todas as salas de aula, em todos os cursos, para justificar o aumento da mensalidade. Surgiram algumas resistências que não foram fáceis de contornar. Lembro que, para alguns estudantes, passei de “mocinho” a “vilão” em pouco tempo. Foi um processo doloroso, mas com um aprendizado para toda a minha vida. Para construir algo novo você precisa enfrentar resistências.

De que forma a liderança estudantil contribuiu para a construção da identidade da Universidade nos seus primeiros anos?

A Unisc é uma Instituição gigante, construída graças ao talento de muitas pessoas que ajudaram a realizar essa linda história. Mesmo os que se opuseram à sua modernização entre os anos de 1984 a 1987, colaboram, do seu jeito, com a construção da Universidade. Não podemos esquecer dos primeiros visionários que identificaram em Santa Cruz do Sul, uma vocação para o Ensino Superior. Mas você não cria uma Universidade somente com uma estrutura física, mesmo que de alta qualidade. É preciso um espírito universitário. E foi o que aconteceu com o advento do nosso movimento. Houve uma espécie de catarse coletiva. Todos queriam fazer parte daquele momento histórico. Recordo que fizemos uma assembleia de estudantes no campus com mais de mil estudantes. Como o saguão não foi suficiente, tivemos que ocupar o espaço externo do campus. Estávamos no lugar certo e na hora certa.

Ao olhar para os 32 anos de existência da Unisc, qual você considera ter sido a principal contribuição do seu período de liderança?

Colaborar com a construção de uma Universidade democrática, envolvendo a participação e representação de estudantes, professores e funcionários em todas as instâncias. Penso que, para aquele contexto, foi um passo ousado, mas de fundamental importância para a governança da Instituição.

Se pudesse voltar no tempo, o que faria diferente como líder estudantil?

 Se o contexto fosse o mesmo, faria tudo igual novamente. Aquele movimento foi muito importante para Santa Cruz. Ajudou a colocar nosso município no mapa do Ensino Superior do Brasil. Tenho orgulho do que fizemos. Mesmo perdendo o emprego e tendo minha vida vasculhada por autoridades do Governo, nunca vou ter vergonha de contar essa etapa da vida para a minha filha.


Quais conselhos você daria para os atuais e futuros líderes estudantis da instituição?

O contexto atual é totalmente diferente daquela época. Vivíamos o fim de um regime militar e o anseio pela redemocratização do Brasil. Acho que cumprimos com nosso papel. Infelizmente, algumas coisas estranhas estão acontecendo no mundo. A democracia, como um valor absoluto, parece estar perdendo força entre os jovens.  E esse é o grande perigo que corremos como civilização. Ao final da II Guerra Mundial, ao presenciar os horrores realizados por regimes totalitários na Europa, que levou milhões de pessoas à morte, Churchill fez a seguinte advertência: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. Essa advertência do líder político britânico ainda serve como uma luz para enfrentar todas as formas de autoritarismo. É preciso estar vigilante sobre o que realmente queremos para nós e para as futuras gerações. Recomendo ler “O futuro da democracia” de Norberto Bobbio e “A sociedade aberta e seus inimigos” de Karl Popper.

 Na sua opinião, qual é o maior legado que a Universidade construiu ao longo dessas mais de três décadas?

Colocou Santa Cruz do Sul no mapa da Educação Superior do Brasil e, porque não, da América do Sul. Integrou nosso município aos grandes centros de ensino, pesquisa e extensão, trazendo muitos dividendos para a região. Muito já foi feito pelo Tecnounisc, e meu sonho é ainda ver uma grande empresa de tecnologia e inovação instalada no campus da Unisc, gerando emprego e renda para os estudantes. A sustentabilidade das universidades passa pela integração e cooperação entre o poder público e privado. 

Que mensagem você gostaria de deixar para a comunidade acadêmica neste aniversário de 32 anos?
Vocês estão no lugar certo. Não foi de graça que Steve Jobs, pai das tecnologias digitais, disse que daria toda sua fortuna para ter uma tarde com Sócrates. Como todos sabem, Sócrates é aquele que foi professor de Platão, que, por sua vez, teve a ideia de criar a primeira Academia na Grécia Antiga. Segundo Platão, uma Academia se trata de uma comunidade humana onde todos estejam engajados e empenhados na busca da melhor formação visando mais conhecimento. Mostra que tanto os antigos como os modernos sabem da importância da educação. Portanto, a Academia ainda é um lugar especial, que faz a diferença para melhor na vida das pessoas. Lamentavelmente, existe uma corrente de desinformação com o objetivo de desacreditar as universidades. Acontece que a Academia cumpre um papel civilizatório e, por isso, sempre será um lugar privilegiado nas sociedades desenvolvidas. O obscurantismo se combate com mais conhecimento. 

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Pioneirismo estudantil pautou a implementação da Unisc e transformou o ensino superior regional

A Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) celebra 32 anos de existência, consolidada como um pilar da educação superior no Rio Grande do Sul e no Brasil. No entanto, sua trajetória é marcada por um período fundamental de transformações, gestado anos antes de sua oficialização como Universidade. O professor e empresário Ubiratan Trindade, líder e fundador do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Unisc – à época ainda Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul (FISC) –, relembra o papel do movimento estudantil na construção da instituição que conhecemos hoje.

A criação da Universidade era um sonho coletivo, mas sua materialização exigiu um processo de reestruturação profunda, iniciado entre 1985 e 1987. "Pode parecer um paradoxo, mas foi uma crise de gestão que fez com que houvesse um movimento amplo para reestruturar a FISC", conta Trindade. Esse movimento, que começou com os estudantes, rapidamente ganhou o apoio de docentes, funcionários e da sociedade civil organizada, culminando na modernização da gestão e, posteriormente, na implementação da Universidade.

O período era efervescente, impulsionado pelo cenário político e econômico do Brasil, que vivia o fim do regime militar e a eclosão do movimento pelas "Diretas Já". "Existia uma espécie de espírito estudantil", descreve Trindade, que destaca a intensa participação dos diretórios acadêmicos na política local e nacional. A participação em comícios históricos, embalados por canções como "Coração de Estudante" e "Caminhando e Cantando", demonstrava o engajamento e a busca por mudanças.

A principal motivação para a liderança estudantil, segundo Trindade, era a modernização da FISC e a conquista de eleições diretas para todos os cargos diretivos da instituição. A união dos diretórios acadêmicos para a criação do DCE foi o primeiro passo, com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino, garantir salários justos para professores e funcionários, e pavimentar o caminho para a futura universidade.

Apesar das perseguições e dificuldades enfrentadas por alguns membros do DCE, a resistência foi superada pela convicção e pelo apoio da comunidade. A criação do DCE e a implementação de eleições diretas para todos os cargos da FISC foram as primeiras e mais significativas conquistas. "Esses dois eventos foram marcantes para a época, transformando Santa Cruz do Sul em um centro de inovação para o Ensino Superior", destaca Trindade, relembrando o interesse de jornais de todo o país pela "revolução acadêmica" que acontecia na cidade.

Além da modernização da governança e da melhoria do ensino, o movimento estudantil focou em demandas essenciais como o subsídio à passagem escolar e a redução das mensalidades. A transparência na gestão, com a participação de alunos, professores e funcionários nas instâncias eletivas, permitiu que decisões difíceis, como reajustes de mensalidade, fossem justificadas e compreendidas pela comunidade acadêmica. "Foi um processo doloroso, mas com um aprendizado para toda a minha vida. Para construir algo novo você precisa enfrentar resistências", reflete Trindade.

A liderança estudantil foi fundamental para moldar a identidade da Unisc, injetando um "espírito universitário" que contagiou a todos. "Houve uma espécie de catarse coletiva. Todos queriam fazer parte daquele momento histórico", afirma Trindade, que recorda assembleias com mais de mil estudantes no campus. Para Trindade, a principal contribuição de seu período de liderança foi "colaborar com a construção de uma Universidade democrática, envolvendo a participação e representação de estudantes, professores e funcionários em todas as instâncias". Um passo ousado, mas fundamental para a governança da Instituição e para o legado da Unisc.

Ao olhar para os 32 anos da Unisc, Ubiratan Trindade reafirma o orgulho do que foi construído e destaca o maior legado da Universidade: "Colocou Santa Cruz do Sul no mapa da Educação Superior do Brasil e, porque não, da América do Sul." Sua mensagem final para a comunidade acadêmica é um convite à reflexão: "A Academia ainda é um lugar especial, que faz a diferença para melhor na vida das pessoas." Em tempos de desinformação, ele enfatiza a importância de combater o obscurantismo com mais conhecimento, reforçando o papel civilizatório das universidades.

Ubiratan Divulgação

Ubiratan Trindade reafirma o orgulho do que foi construído e destaca o maior legado da Universidade: "Colocou Santa Cruz do Sul no mapa da Educação Superior do Brasil e, porque não, da América do Sul." 

Entrevista com Ubiratan Trindade -  líder estudantil e fundador do DCE

Quais eram as maiores expectativas e desafios para os estudantes nos primeiros anos da Universidade?

É preciso dizer que a criação de uma Universidade era o sonho de toda a Comunidade Acadêmica daquela época. E este grande sonho foi realizado em 1993. Mas etapas anteriores foram fundamentais para a concretização do projeto da Universidade. Penso que a Unisc foi gestada entre 1985 e 1987 quando ainda era conhecida como FISC. Esses foram os anos que marcaram o início de uma trajetória de profundas mudanças na instituição. Pode parecer um paradoxo, mas foi uma crise de gestão que fez com que houvesse um movimento amplo para reestruturar a FISC. Um movimento que começou com os estudantes, teve apoio de parte do corpo docente e funcionários. Sem mesmo perceber, nosso movimento foi contagiando uma boa parte da sociedade civil organizada de Santa Cruz e do Vale do Rio Pardo. Quando nos demos conta, tínhamos convencido autoridades políticas, religiosas e empresariais que ficaram do nosso lado. Ficou evidente que todos queriam a modernização da gestão da FISC. Apesar de algumas perseguições pontuais que trouxeram prejuízos pessoais e profissionais à alguns membros do DCE, conseguimos realizar nosso sonho. Felizmente, o tempo se encarregou de mostrar quem estava no caminho certo. Acredito que esse fato histórico foi decisivo para a modernização da FISC e para a futura implementação da Universidade.

Como era o ambiente acadêmico e estudantil naquela época, comparado ao que imaginava para uma Instituição recém criada?

Indescritível! Existia uma espécie de espírito estudantil. O Brasil vivia uma crise profunda em suas instituições, tanto política como economicamente. Na política, vivíamos o fim do regime militar e a grande parte da sociedade brasileira clamava por eleições diretas. Na economia, o Brasil ia muito mal com uma inflação estratosférica, desemprego em alta, salários defasados e uma dívida externa impagável. Existia um anseio por mudanças. Os diretórios acadêmicos, assim como os estudantes secundaristas, tinham grande representatividade na sociedade e participavam ativamente da política local e nacional.  O movimento das “Diretas Já” foi assumido pelos estudantes brasileiros que contribuíram para lotar os comícios em todas as capitais brasileiras (Coração de Estudante, de Milton Nascimento e Caminhando e Cantando, de Geraldo Vandré eram nossos hinos na época).  Lembro que participamos do grande comício das diretas em Porto Alegre. Éramos movidos por impulsos e emoções arquetípicas de maio de 68, um período de intensa agitação estudantil que desafiou governos e influenciou a política ao redor do mundo. Foi um tempo maravilhoso, pena que essa energia se esgotou, não existe mais, ao menos, por enquanto. As relações eram físicas, face to face, diferente de hoje onde tudo é virtual. Como dirigente estudantil, você tinha que conversar com as pessoas, fazer contato diário com as lideranças estudantis. Nos intervalos das aulas os corredores lotavam de estudantes, todos ávidos por alguma informação nova. Hoje, tudo é like ou deslike, o que torna as relações extremamente artificiais. O universo digital trouxe, consigo, o isolamento físico das pessoas e uma pandemia de solidão mascarada por mensagens instantâneas. Fica complicado fazer a verdadeira política nesse modelo de sociedade.

Qual foi a principal motivação para se candidatar e assumir a liderança estudantil em um período tão inicial da Universidade?

Modernizar a FISC e conquistar as eleições diretas para todos os cargos diretivos da Instituição. Aquele era um momento de transição de uma Faculdade para um modelo de Universidade. O primeiro passo foi unir os diretórios acadêmicos o que originou a criação do DCE. A fundação do Diretório Central dos Estudantes foi o primeiro passo para as conquistas seguintes. Também estava no nosso radar a melhoria da qualidade do ensino, contratação de novos professores, garantia de melhores salários e pagamento em dia.

Quais foram as primeiras grandes conquistas do movimento estudantil sob sua liderança?

Primeiro, a criação do DCE. Todos tinham consciência de que para se candidatar junto ao MEC para ser uma Universidade, seria preciso uma reformulação na estrutura da governança estudantil e da própria Instituição.  Segundo, as eleições diretas para todos os cargos da FISC, processo esse que conduziu ao cargo de diretor geral o professor Wilson Kniphoff da Cruz juntamente com o seu vice, o professor Luiz Augusto Costa a Campis. Esses dois eventos foram marcantes para a época, transformando Santa Cruz do Sul em um centro de inovação para o Ensino Superior. Todos queriam saber o que estava acontecendo aqui. Jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre fizeram reportagens sobre uma revolução acadêmica transcorrida em Santa Cruz do Sul. Lembro que a questão central era sobre eleições diretas para todos os cargos. Como naquele tempo somente as universidades públicas realizavam eleições para o preenchimento de cargos, eles não conseguiam entender como uma Faculdade particular teria feito tal façanha. Essa conquista conferiu credibilidade para a Instituição. Foi o primeiro passo para a criação da Universidade.

Quais eram as principais demandas dos estudantes que você representava?

Além de modernizar a governança da FISC e melhorar a qualidade do ensino, tínhamos algumas demandas muito importantes. A principal era o subsídio à passagem escolar. Como muitos alunos vinham de outros municípios, tivemos que visitar os prefeitos de várias cidades para convencê-los da importância de tal pleito. Lembro que a maioria dos prefeitos foram sensíveis ao nosso pedido. Outra demanda muito exigida pelos estudantes era diminuir a mensalidade dos alunos. Sobre esse tema criou-se um paradoxo à época. Na primeira eleição para diretor geral apoiamos o professor Wilson que acabou vencendo as eleições. No primeiro ano da nova gestão foi apresentado um reajuste das mensalidades. Como a gestão era transparente, pois alunos, professores e funcionários faziam parte das instâncias eletivas, tínhamos acesso ao orçamento da Universidade. Em uma reunião do DCE, foi decidido pelo apoio ao reajuste com a promessa de melhoria do ensino, qualificação e contratação de novos professores, além de reposição salarial para professores e funcionários. Resolvemos passar em todas as salas de aula, em todos os cursos, para justificar o aumento da mensalidade. Surgiram algumas resistências que não foram fáceis de contornar. Lembro que, para alguns estudantes, passei de “mocinho” a “vilão” em pouco tempo. Foi um processo doloroso, mas com um aprendizado para toda a minha vida. Para construir algo novo você precisa enfrentar resistências.

De que forma a liderança estudantil contribuiu para a construção da identidade da Universidade nos seus primeiros anos?

A Unisc é uma Instituição gigante, construída graças ao talento de muitas pessoas que ajudaram a realizar essa linda história. Mesmo os que se opuseram à sua modernização entre os anos de 1984 a 1987, colaboram, do seu jeito, com a construção da Universidade. Não podemos esquecer dos primeiros visionários que identificaram em Santa Cruz do Sul, uma vocação para o Ensino Superior. Mas você não cria uma Universidade somente com uma estrutura física, mesmo que de alta qualidade. É preciso um espírito universitário. E foi o que aconteceu com o advento do nosso movimento. Houve uma espécie de catarse coletiva. Todos queriam fazer parte daquele momento histórico. Recordo que fizemos uma assembleia de estudantes no campus com mais de mil estudantes. Como o saguão não foi suficiente, tivemos que ocupar o espaço externo do campus. Estávamos no lugar certo e na hora certa.

Ao olhar para os 32 anos de existência da Unisc, qual você considera ter sido a principal contribuição do seu período de liderança?

Colaborar com a construção de uma Universidade democrática, envolvendo a participação e representação de estudantes, professores e funcionários em todas as instâncias. Penso que, para aquele contexto, foi um passo ousado, mas de fundamental importância para a governança da Instituição.

Se pudesse voltar no tempo, o que faria diferente como líder estudantil?

 Se o contexto fosse o mesmo, faria tudo igual novamente. Aquele movimento foi muito importante para Santa Cruz. Ajudou a colocar nosso município no mapa do Ensino Superior do Brasil. Tenho orgulho do que fizemos. Mesmo perdendo o emprego e tendo minha vida vasculhada por autoridades do Governo, nunca vou ter vergonha de contar essa etapa da vida para a minha filha.


Quais conselhos você daria para os atuais e futuros líderes estudantis da instituição?

O contexto atual é totalmente diferente daquela época. Vivíamos o fim de um regime militar e o anseio pela redemocratização do Brasil. Acho que cumprimos com nosso papel. Infelizmente, algumas coisas estranhas estão acontecendo no mundo. A democracia, como um valor absoluto, parece estar perdendo força entre os jovens.  E esse é o grande perigo que corremos como civilização. Ao final da II Guerra Mundial, ao presenciar os horrores realizados por regimes totalitários na Europa, que levou milhões de pessoas à morte, Churchill fez a seguinte advertência: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. Essa advertência do líder político britânico ainda serve como uma luz para enfrentar todas as formas de autoritarismo. É preciso estar vigilante sobre o que realmente queremos para nós e para as futuras gerações. Recomendo ler “O futuro da democracia” de Norberto Bobbio e “A sociedade aberta e seus inimigos” de Karl Popper.

 Na sua opinião, qual é o maior legado que a Universidade construiu ao longo dessas mais de três décadas?

Colocou Santa Cruz do Sul no mapa da Educação Superior do Brasil e, porque não, da América do Sul. Integrou nosso município aos grandes centros de ensino, pesquisa e extensão, trazendo muitos dividendos para a região. Muito já foi feito pelo Tecnounisc, e meu sonho é ainda ver uma grande empresa de tecnologia e inovação instalada no campus da Unisc, gerando emprego e renda para os estudantes. A sustentabilidade das universidades passa pela integração e cooperação entre o poder público e privado. 

Que mensagem você gostaria de deixar para a comunidade acadêmica neste aniversário de 32 anos?
Vocês estão no lugar certo. Não foi de graça que Steve Jobs, pai das tecnologias digitais, disse que daria toda sua fortuna para ter uma tarde com Sócrates. Como todos sabem, Sócrates é aquele que foi professor de Platão, que, por sua vez, teve a ideia de criar a primeira Academia na Grécia Antiga. Segundo Platão, uma Academia se trata de uma comunidade humana onde todos estejam engajados e empenhados na busca da melhor formação visando mais conhecimento. Mostra que tanto os antigos como os modernos sabem da importância da educação. Portanto, a Academia ainda é um lugar especial, que faz a diferença para melhor na vida das pessoas. Lamentavelmente, existe uma corrente de desinformação com o objetivo de desacreditar as universidades. Acontece que a Academia cumpre um papel civilizatório e, por isso, sempre será um lugar privilegiado nas sociedades desenvolvidas. O obscurantismo se combate com mais conhecimento. 

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