Inicialmente Orquestra Jovem, hoje, no Estado, é a única Orquestra de Câmara de uma Universidade com músicos permanentes
Em 25 de agosto de 2005, a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) dava um passo importante na disseminação da cultura em Santa Cruz e região. Naquele dia foi criada a Orquestra Jovem da Unisc, uma orquestra formada por profissionais e alunos de música. Já em 2012, a nomenclatura mudou para Orquestra da Unisc, no entanto, manteve o seu caráter de orquestra-escola. Em 2015, houve o processo natural de profissionalização, passando a se chamar Orquestra de Câmara da Unisc. Hoje, no Estado, é a única Orquestra de uma Universidade com músicos permanentes.
À época reitor da Unisc, Luiz Augusto Costa a Campis, conta que foi procurado pelo maestro Leandro Schaefer. Ele estava montando uma orquestra jovem no município. No início dos anos 2000, o grupo era ligado à Igreja Evangélica. “Leandro me questionou se a Universidade não tinha interesse em ter uma orquestra. Eu, como reitor, disse que sim. Era ele e jovens músicos, alguns aprendizes. Eventualmente, trazíamos alguns músicos profissionais que eram pagos por concerto. Nesse mesmo período montamos a Escola de Música também para ensinar esses jovens músicos”, relembra.
Depois de alguns anos, Campis, já coordenador do Núcleo de Arte e Cultura (NUAC) da Unisc, lembra que o maestro o procurou dizendo que a Orquestra Jovem tinha chegado em um limite. “Tínhamos dificuldades em termos novos músicos e, como Orquestra Jovem, não poderíamos desenvolver além daquilo que era já tocado. O repertório era muito parecido todos os anos. Foi aí que se tornou uma Orquestra profissional.”
Para isso, foi feita uma seleção. Eram 30 músicos, e passaram a ser 15 profissionais. “Isso fez com que tivéssemos um salto de qualidade, porque esses músicos são todos profissionais que se dedicam, têm um salário para estarem aqui nos ensaios, nas apresentações. São todos do Rio Grande do Sul, qualificados, com Ensino Superior na área, mas, principalmente, músicos que têm um grande talento e que têm levado essa nossa cultura de música de orquestra de câmara para toda a nossa região e para todo o nosso Estado”, completa.
O reitor da Unisc, Rafael Frederico Henn, também celebra os 20 anos da Orquestra, mas não apenas comemorar um aniversário, mas sim honrar uma trajetória de dedicação, talento e paixão que engrandece a Instituição. “Ter uma orquestra profissional é um privilégio singular. A música, em sua forma mais sublime, transcende as barreiras do conhecimento técnico e científico, tocando o coração e a alma. Ela nos lembra que a educação não se limita à sala de aula, aos livros ou aos laboratórios. A arte e a cultura são pilares fundamentais de uma Universidade completa, pois nos conectam com nossa humanidade, estimulam a criatividade e promovem a sensibilidade. A Orquestra de Câmara da Unisc é um testemunho vivo desse compromisso. Nosso regente e músicos são embaixadores de excelência, levando o nome da Unisc a palcos e corações em toda a região".
O condutor das melodias
Pioneiro na ideia, o maestro Leandro começou a trajetória pessoal na música muito cedo. Aos 12 anos ganhou um teclado do pai. Ali nasceu uma paixão que só cresceu com o tempo. Aos 16, entrou para uma banda e começou a tocar diversos instrumentos. Pouco depois, ainda com 16 anos, deu a primeira aula de música — e nunca mais parou.
“Aos 18 anos servi ao Exército Brasileiro e recebi um convite para seguir carreira militar, mas optei por me dedicar integralmente à música. Em 2001, entrei na Faculdade de Música da UFRGS, onde me formei em Regência Coral. Posteriormente, concluí uma pós-graduação em Regência e me especializei em Regência Orquestral na Europa, com passagens pela Alemanha, Rússia e França”, enfatiza.
Ele teve a honra de estudar com grandes maestros de renome mundial e de reger orquestras e coros ao longo de mais de 20 anos de carreira. Dos grupos que já regeu, destacam-se a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA), Orquestra Sinfônica de Recife, Sinfônica de Barra Mansa, Sinfônica da UCS, Berlin Sinfonieta (na Alemanhã), Filarmônica de São Petersburgo (na Rússia) e orquestra composta por músicos da Orquestra de Paris (na França).
“Em 2005, fundei e assumi a direção artística da Orquestra de Câmara da Unisc, que tenho o privilégio de reger até hoje. Também dirijo o Coro da Unisc e o Coral Municipal de Cachoeirinha, e atuo como coordenador da Escola de Música da Unisc. Minha vida profissional sempre esteve conectada à ideia de formar pessoas por meio da música — seja plateia, seja músicos. Espero ter saúde e energia para continuar o meu caminho na música.”
Para ele, a Orquestra de Câmara da Unisc é vital para a formação de novos públicos para a música de concerto. O primeiro passo — e talvez o mais difícil no Brasil — é existir uma orquestra com atividades regulares, como ensaios e concertos. E que tenha qualidade técnica e artística para expressar, com fidelidade e sensibilidade, o que o compositor idealizou.
O segundo passo, conforme o maestro, é aproximar o público da obra musical. “Em todos os nossos concertos busco falar um pouco sobre as obras, os compositores e o significado das músicas. Isso cria uma ponte entre a plateia e os músicos. Sempre que falo com o público, noto crescer o interesse. Esse contato é fundamental para a formação de novos ouvintes, especialmente entre os jovens e aqueles que estão tendo o primeiro contato com uma orquestra.”
E essa aproximação com o público começa já na escolha do repertório, feita pelo maestro e com sugestões dos músicos. “Não é uma escolha aleatória: é preciso considerar a instrumentação disponível, a necessidade de músicos convidados, a temática artística do evento, o nível técnico das obras e o tempo disponível para ensaios. Cada concerto tem uma lógica e um propósito.”
Ele lembra que um dos propósitos mais desafiadores durante esses 20 anos, foi levar música durante a pandemia, época em que a distância entre as pessoas era fundamental. “Tivemos que nos reinventar. Realizamos concertos virtuais, em que os músicos gravaram suas partes em casa, seguindo minhas orientações. Depois, eu editava e sincronizava tudo. Foi um período extremamente exigente, emocionalmente e tecnicamente, mas que fortaleceu muito a união e o comprometimento do grupo. Esses vídeos ainda podem ser encontrados nas nossas redes sociais e são registros emocionantes de superação e amor pela música.”
Clique aqui e assista a Orquestra tocando Eine Kleine Nachtmusik, de Mozart, durante a pandemia
Clique aqui e assista a Orquestra no Dia Mundial do Rock em 2020
Fotos: Malu Müller/Unisc
Maestro Leandro Schaefer
O papel da Orquestra na preservação e difusão da cultura musical
A música orquestral é uma forma profunda de expressão cultural e identidade coletiva. Para Leandro, ela vai além do deleite artístico: ela sensibiliza o ser humano e o aproxima de algo maior — do seu criador, seja qual for sua crença. “Desde os tempos mais remotos, a música acompanha a espécie humana. Vivemos hoje no auge da tecnologia, com acesso instantâneo a qualquer música do mundo. Mas a experiência do som ao vivo, com sua energia e presença física, é insubstituível.”
A Orquestra da Unisc preserva obras universais e também valoriza compositores brasileiros e regionais, reforçando as raízes culturais dos colonizadores de Santa Cruz do Sul e região. E mais do que preservar, ela dá continuidade à tradição, formando plateias e músicos, promovendo educação estética e fortalecendo a identidade cultural local.
“A Orquestra leva música orquestral para quem talvez nunca tenha visto uma orquestra ao vivo. Todos os nossos concertos são gratuitos, garantindo o acesso à arte e à cultura a todas as classes sociais. Já tocamos para públicos muito diversos — desde estudantes de escolas públicas até comunidades do interior que jamais haviam presenciado um concerto. Além disso, a Orquestra contribui para a economia criativa local, empregando músicos profissionais e contratando serviços de profissionais da região para a parte técnica e operacional. Ela também valoriza a imagem de Universidade Comunitária da Unisc, projetando a cidade como um polo de cultura e educação”, exemplifica o maestro.
Além disso, um concerto desenvolve a escuta ativa, a atenção, o senso estético e até a inteligência emocional. A percepção musical se transforma quando o público entende um pouco sobre o repertório, a história da obra e o que ela expressa. “A experiência da música ao vivo é insubstituível: você ouve os harmônicos reais , os timbres vivos, as variações de dinâmica, o respirar dos músicos. Num mundo onde a inteligência artificial realiza quase tudo, um concerto feito por humanos, ali, no presente, com toda sua entrega e preparação, é algo raro e necessário”, define ele, lembrando que hoje, assistir a um concerto é um ato de desaceleração, um tempo para si mesmo, para respirar, se emocionar e se reconectar.
O músico mais antigo
Desde a época da Orquestra Jovem, o violinista Célio Elgert, de 58 anos, já encantava ao tocar suas melodias. Ele é o músico que toca na Orquestra desde o começo. Perde apenas para o maestro Leandro. Célio tocava flauta quando era mais novo e logo depois ficou encantado pelo violino. “Isso foi no Ensino Médio, em um colégio interno em Ivoti. Foi nessa época que soube que queria fazer aquilo como uma profissão. Foi aí também que comecei a tocar em orquestras.”
Depois, partiu para outras cidades, deu aulas de música e concluiu a graduação em Música. Ficou uns anos fora do Rio Grande do Sul. Quando retornou, fixou residência em Venâncio Aires. “Lá comecei com uma pequena escola de música, por volta de 1998. Anos depois vi uma notícia na televisão de uma orquestra que havia iniciado em Santa Cruz, na Igreja Evangélica. Passado um tempo, alguns alunos meus participavam da Orquestra Jovem da Unisc e eu comentei, para avisarem o maestro, que eu tinha interesse em tocar. Fui e estou até hoje, fechando 19 anos”, lembra.
Para ele, tocar na Orquestra da Unisc é diferente dos outros locais em que já passou. Nela, todos se conhecem e vira uma grande família. “Além disso, todos conhecem o trabalho um do outro. O maestro sempre foi muito aberto, receptivo para que fizéssemos arranjos, por exemplo, tem toda uma troca, é um time em que todos jogam em todas as posições. E é isso que dá um diferencial para a nossa Orquestra, esse clima de família, não só de conhecer as pessoas, mas de conhecer as músicas.”
Violinista Célio Elgert
A Orquestra na formação de novos músicos
A Orquestra da Unisc faz 20 anos que se tornou um exemplo do desenvolvimento da cultura musical na região. E esse desenvolvimento acabou criando vários músicos que hoje estão pelo mundo. Um dos exemplos é da violinista Mariana Krewer, de 35 anos. Natural de São Sebastião do Caí, Mariana cresceu em Venâncio Aires e soube da Orquestra através do professor de violino, Célio Elgert, um dos primeiros membros. Na época, era Orquestra Jovem Unisc. “Eu devia ter 16 ou 17 anos na época. Íamos juntos de carona, era o ponto alto da minha semana”, recorda.
Mariana começou na música aos 7 anos com a flauta doce. “Um médico homeopata de Santa Cruz do Sul recomendou para a minha mãe que me colocasse em aulas de instrumento de sopro para fortalecer meus pulmões, porque eu tinha questões de saúde respiratória durante toda a infância. Com o violino eu comecei aos 13 ou 14 anos, tendo como professor o Célio, nos primeiros anos. Em 2009, entrei para o bacharelado em música da UFRGS; em 2012 me mudei para os Estados Unidos e fiz mestrado e doutorado também em violino.”
Desde 2018 ela atua na Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA) e mora em Salvador. A vicência na Unisc, o apoio da família e professores foram fundamentais para ela estar, hoje, na OSBA. “O aprendizado e a convivência musical e pessoal que tive na Orquestra da Unisc me deram um lindo insight do que seria uma vida trabalhando com música, e digo com tranquilidade que me influenciou bastante no caminho que escolhi.”
Violinista Mariana Krewer - Foto: Caio Lirio/Divulgação
A dupla de Esteio
Bruna Christi, de 30 anos, e Ismael Almeida, de 41 anos, moram em Esteio e viajam juntos a Santa Cruz para os ensaios e apresentações todas as semanas. Ela toca violino e ele contrabaixo acústico. A rotina compartilhada semanalmente já é antiga.
Bruna começou a tocar em um projeto social em Esteio, em 2010. Em 2013, já estava tocando na Unisc. Ela e mais uma amiga vinham de carona com Ismael. Bruna ficou na Orquestra até 2015, quando não conseguiu mais conciliar a rotina das viagens com a graduação em Música. No entanto, logo formada, em 2019, voltou para a Unisc. Hoje, ela também dá aulas de música na Região Metropolitana, no mesmo projeto em que adquiriu o gosto pelo violino anos atrás.
Violinista Bruna Christi
Já Ismael lembra que a família fazia rodas de música, com violão, desde quando ele era criança. Depois, começou a tocar contrabaixo elétrico e, mais tarde, o acústico. Em 2012, recebeu o convite do maestro Leandro para integrar a Orquestra Jovem e também dar aulas. Atualmente, além da Unisc, ele é envolvido em um Projeto de inclusão e educação musical chamado Núcleo de Orquestras Jovens, em Novo Hamburgo. É professor de contrabaixo e também regente.
Para eles, a música orquestral é algo que encanta. “Eu acho que as pessoas que não gostam de música clássica é porque não tiveram a oportunidade de conhecer. Uma vez que tu ouve, principalmente ao vivo, aquele som te envolve. Somos uma Orquestra de Câmara, pequena, mas conseguimos fazer um som grandioso que envolve o ambiente. Não tem como não se encantar”, elogia Bruna.
E Ismael define como ‘estar em outro mundo’ quando chega em Santa Cruz do Sul. “Venho uma vez por semana e parece que estou em outro mundo. Pego meu carro, saio de casa, pego os colegas que vêm junto e viemos para cá para fazermos música. A Unisc é um ambiente legal como um todo e nos sentimos muito acolhidos e gratos por podermos fazer o que amamos.”
Contrabaixista Ismael Almeida
Saiba mais
Atualmente, a Orquestra tem 14 músicos profissionais, vindos de Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires, Santa Maria, Esteio, Igrejinha, Caxias do Sul, São Leopoldo e Novo Hamburgo. Os instrumentos fixos são cordas (violinos, violas, violoncelos, contrabaixos) e eventualmente são convidados músicos de outros naipes para compor o grupo, conforme a necessidade do repertório.
Os ensaios acontecem às quartas-feiras pela manhã. Os músicos estudam suas partes individualmente ao longo da semana e o ensaio coletivo serve para alinhamento musical de todo o repertório. “É um trabalho de alto nível, com muito preparo prévio, dedicação e amor à arte”, define o maestro.